A Invasão Acadêmica na Igreja

Em 31 de outubro de 2017 completaram-se 500 anos da Reforma Protestante, uma data muito importante para o cristianismo.  E naquele dia a faculdade evangélica, em que faço o curso de Direito, promoveu um encontro, com frequência obrigatória, para falar do tema. Ciente do perfil da faculdade, eu cheguei lá certo de que o nome do Senhor não seria exaltado naquele ambiente.

Na entrada do auditório havia um comércio de livros, a maioria impregnado de terríveis heresias que afrontam o Evangelho de Cristo. Na apresentação dos palestrantes, o mediador precisou de longo tempo para ler os vastíssimos currículos dos dois falastrões daquela noite. E teve que parar para respirar muitas vezes. A plateia, em sua maioria estudantes de teologia, suspirava diante de tantas credenciais acadêmicas. Muitos bradavam: “Perfeito! Incrível! Maravilhoso!”.

Os palestrantes não disfarçaram o prazer em ouvir a leitura de seus currículos, notadamente permeados com temáticas marxistas. E a reação da plateia completava o ar triunfante do reconhecimento, a recompensa imediata dos aplausos. E por fim, não era mais “fulano de tal”, mas “doutor fulano de tal”. Doutores em que? Teologia e Filosofia. Sobre eles, nada foi falado a respeito de vida piedosa, comunhão com Deus, amor a Deus, fidelidade ao Evangelho, testemunho de fé… nada mesmo… os títulos acadêmicos tornaram tudo isso desprezível.  

Certa vez ouvi as palavras de um homem lúcido que estava sendo apresentado, sem seu consentimento, por seus vastos títulos. Logo após os falatórios de honrarias, ele lamentou publicamente: “Como eu gostaria que um dia eu fosse apresentado apenas como um amigo de Deus. Isso é tudo, o resto é nada. Acho que fracassei em transmitir apenas o que realmente importa”.

Uma profunda tristeza tomou conta de meu coração naquele auditório na faculdade. É curioso que as altas credenciais acadêmicas sejam apresentadas como respaldo da autoridade de alguém para falar de Jesus, o Deus Eterno que se esvaziou, se humilhou e se tornou desprezível aos olhos humanos. Este é um pensamento desconcertante, que fere qualquer exaltação de desprezíveis homens. O que dizer de Paulo? Um homem preparado intelectualmente, mas considerou-se o pior dos pecadores e relegou seu preparo como esterco, para que pudesse conhecer a Cristo. E o que falar dos pescadores iletrados como Pedro e João? E do “selvagem” João Batista?

Fico pensando no cenário do maior acontecimento da História: A vinda do Salvador. O anjo Gabriel não buscou a acadêmica liderança religiosa, mas um certo Zacarias, casado com Isabel, uma mulher estéril (um sinal de maldição naquela época). E deles foi gerado João Batista, que  vivia recluso no deserto, alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, longe da estrutura da religião organizada, longe das rodas sociais e intelectuais, um homem “selvagem” que acabou degolado para satisfazer os desejos lascivos de Herodes. Um homem assim sofreria repulsa entre muitos doutores no meio da igreja. E Jesus disse que ele havia sido o maior de todos os homens, por causa da mensagem que trazia em seus lábios. Veja o cenário:

E no ano quinze do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos presidente da Judeia, e Herodes tetrarca da Galileia, e seu irmão Filipe tetrarca da Itureia e da província de Traconites, e Lisânias tetrarca de Abilene, Sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de Deus a João, filho de Zacarias. (Lucas 3:1-2)

Veja quanta gente de pedigree! Mas, a palavra de Deus veio do deserto, do “selvagem” João Batista. O mundo do poder político e religioso funcionando a todo vapor e Deus fazendo a maior intervenção da história no meio de pessoas desconhecidas e humildes, e em lugares desprezíveis. Como Deus confunde a honraria humana! Paulo diz: “Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” (I Coríntios 1:20). Por quê? “Nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” (I Coríntios 1:23). Cristo é escândalo para os que buscam sinais e para os que buscam sabedoria humana.

Seis meses depois, Gabriel foi à minúscula cidade de Nazaré, na região pobre e rural da Galileia, longe do centro religioso em Jerusalém, a uma desconhecida menina de 14 anos chamada Maria, noiva de um humilde jovem carpinteiro. Ou seja, dois “nadas”. E anuncia que nela seria gerado sobrenaturalmente Jesus Cristo, o Deus eterno encarnado, o Rei do Reis, o Senhor dos Senhores.

E o Rei dos Reis nasceu numa estrebaria na desprezível cidade de Belém. O Deus encarnado viveu 30 anos em absoluta obscuridade em Nazaré. Um de seus futuros apóstolos perguntou: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” (João 1:46). E por fim, foi anunciado pelo “selvagem” João Batista, rejeitado e perseguido pela liderança religiosa, desprezado pelos governantes e, por fim, os mestres da religião o mataram como um  louco, falsário e endemoninhado. Quanto menor Jesus era aos olhos dos sábios e poderosos, maior Ele era aos olhos de Deus. Os sábios e poderosos desceram ao desprezo eterno, Jesus foi exaltado por Deus acima de todos e de tudo.

Deve ser desprezado o preparo acadêmico? Não, embora não seja biblicamente condicional. Ele é útil quando unido a um crente verdadeiro, humilde e desprovido de si mesmo. As credenciais bíblicas para o ministério são a vida piedosa, o profundo conhecimento bíblico, o desejo santo para servir a Deus e a seu rebanho e o reconhecimento do ministro por parte da igreja.  Sem essas credenciais espirituais, o conhecimento acadêmico produz apenas loucuras religiosas, como naqueles que viram Jesus pessoalmente, mas, de acordo com seus estudos acadêmicos, Jesus não poderia vir de Deus e não poderia ser o Messias. Deus não pode ser conhecido pela sabedoria humana e os seus caminhos não podem ser delineados pelo raciocínio lógico. A cruz é a “loucura” que destrona o humanismo acadêmico teológico.

Se olharmos para os homens chamados por Jesus para o apostolado, ficaremos desconcertados, tamanha discrepância com nossos conceitos. Jesus não convocou nenhum dos mestres de Israel para qualquer função. Os apóstolos não saíram pelo mundo credenciados por títulos acadêmicos, mas pelas marcas de Cristo em suas vidas. Diante da ousadia de Pedro e João, constatou-se um fato:

Então eles, vendo a ousadia de Pedro e João, e informados de que eram homens sem letras e indoutos, maravilharam-se e reconheceram que eles haviam estado com Jesus (Atos 4:13).

Eles os ameaçaram para que não mais falassem do nome de Jesus, mas Pedro e João declararam: “Não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido” (Atos 4:20). Não era uma questão de conhecimento acadêmico, mas de contemplação da glória do Senhor.

John MacArthur, um dos mais lúcidos pastores do mundo, detentor de muitos títulos acadêmicos, declarou:

Eu não gosto de títulos. As pessoas dizem: “Como devo chamar você?” E eu digo: “Meu nome é John. Isso funciona”. Ninguém chamou Jesus de “Dr. Jesus”. E ninguém chamou Paulo de “Dr. Paulo”. Isso simplesmente não tem nada a ver com o corpo de Cristo. Não temos nenhuma ordem classificatória no corpo de Cristo. Não temos fileiras. O menor do reino, disse Jesus, é maior que o maior no passado. João Batista é o maior homem que já viveu, disse Jesus, e ainda assim o menor no reino é maior do que João. Não há classificação relativa no reino. É por isso que eu não gosto de prêmios, honras e coisas semelhantes que têm acontecido na igreja.

Essas palavras lúcidas mostram um ponto de equilíbrio na vida de um pastor reconhecido, não por seus títulos, mas por sua vida piedosa, testemunho de fé, fidelidade a Cristo e as Escrituras, formação de filhos piedosos, pastoreio do rebanho, utilidade a igreja de Cristo etc. Pastores não são simples expositores intelectuais das Escrituras. Pastores são pastores, e bem sabemos o que significa ser, biblicamente, um pastor de ovelhas. A igreja tem se deparado com homens biblicamente despreparados, seja no conhecimento das Escrituras, no seu caráter pessoal ou habilidades necessárias, mas também com homens academicamente credenciados, porém desprovidos da essência e cheios de engano. E aqui nem estou falando dos mercenários e falsários.

E assim, os dois palestrantes daquela sinistra noite, uma mulher e um homem, vomitaram sobre a plateia o relativismo, marxismo, feminismo, revisionismo histórico e terminaram por sentenciar os reformadores no conteúdo espiritual, pois viram neles intolerância religiosa, mas elogiaram aspectos sociológicos e filosóficos, como educação secular e valores humanos. Ouvi ateus declarados rindo do que ouviam e se perguntavam: “Olhe, é isso aí que é o cristianismo?”. Tudo foi reduzido a um acontecimento histórico como outro qualquer. Embora a Reforma tenha sido um claro mover de Deus na História, não se defende tudo que foi dito pelos reformadores, houve graves erros, eles eram homens pecadores como nós e foram influenciados pelo contexto em que viviam. Deus não tem homens perfeitos para usar na terra, a Bíblia mostra isto de ponta a ponta. 

Os dois palestrantes, muitos conhecidos no meio acadêmico teológico brasileiro, são respaldados pelas várias dezenas de expressivos títulos acadêmicos, e são essas credenciais que os tornam habilitados a exercer influência nefasta na igreja. Seus estudos não encontraram corações piedosos e resultaram em bocas proferindo loucuras. Na estrutura intelectual daqueles palestrantes, a reforma foi rebaixada a uma bandeira pela educação. Falar do pecado, do inferno, da depravação humana e da rebelião da humanidade contra Deus não é algo politicamente correto para eles. E por fim, levantaram sorrateiramente a bandeira do ecumenismo e da desconstrução da Reforma, tudo em nome da chamada “tolerância religiosa”, uma fraseologia satânica para tentar calar a pregação do Evangelho. 

Essa tolerância nada mais é que o raciocínio dialético que o marxismo impôs à sociedade. Essa dialética só permite dois extremos em lados opostos. Se você não concordar com os termos do movimento ecumênico, negro, LBGT, feminista, ambientalista, progressista e outros controlados pelos marxistas, você é intolerante religioso, racista, homofóbico, machista, destruidor da natureza, fascista, reacionário etc. Você tem que ser e pensar o que eles querem que você seja e pense. Por isso as escolas e faculdades, controladas por marxistas, estão realizando uma profunda lavagem cerebral sobre toda uma geração. O marxismo busca desconstruir, através da dialética,  tudo o que se oponha aos seus objetivos. E o que ele quer desconstruir? O cristianismo. Isso está muito claro nos escritos de Karl Marx. Mesmo assim, o cristianismo está sendo invadido por lideranças marxistas, como aqueles dois palestrantes.   

No “Manifesto do Partido Comunista”, Karl Marx literalmente prega a destruição do burguês, do Estado burguês e da família burguesa. Em seu livro “A questão judaica”, Marx expressamente identifica quem são esses três “burgueses” a serem destruídos: O burguês é o cristão, o Estado burguês é o Estado cristão e a família burguesa é a família cristã. Nesse livro ele levantou a bandeira da emancipação da humanidade, que seria a destruição de Deus. Seu grande aliado socialista, Mikhail Bakunin, com quem Marx compartilhava as mesmas ideias e de quem rompeu mais tarde por meras disputas pela liderança do socialismo internacional, em seu livro “Deus e o Estado”, explicou bem o que seria esta emancipação:

Deus queria, pois, que o homem, privado de toda consciência de si mesmo, permanecesse um eterno animal, sempre de quatro patas diante do Deus “vivo”, seu criador e seu senhor. Mas eis que chega Satã, o eterno revoltado, o primeiro livre-pensador e o  emancipador dos mundos! Ele faz o homem se envergonhar de sua ignorância e de sua obediência bestiais; ele o emancipa, imprime em sua fronte a marca da liberdade e da humanidade, levando-o a desobedecer e a provar do fruto da ciência. 

É muito trágico que “doutores” em teologia, que se autodenominam “cristãos”, estejam comprometidos com as ideias dos inimigos declarados de Deus! Porém, o mais triste e trágico cenário foram os efusivos aplausos dos estudantes de teologia, numa demonstração inequívoca da cegueira espiritual deles. Talvez dali sairão muitos “pastores”. Os demais estudantes, quase todos incrédulos, inclusive dois conhecidos blasfemadores, aplaudiram com muita satisfação, afinal de contas, saíram dali mais confiantes em suas incredulidades. E tudo isto aconteceu numa faculdade que se autodenomina Cristã.

Ao sair dali fiquei a meditar nas Escrituras, sobre o que Jesus disse a respeito de que estabeleceria sua igreja e as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. Pensei no que o apóstolo Paulo disse de que o Deus que começou a boa obra irá completar até o dia de Cristo. A verdadeira igreja não está sob controle humano. O soberano Senhor da Igreja, com seus olhos como chamas de fogo, passeia no meio dos castiçais e diz: “Não temas; Eu sou o primeiro e o último; E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Apocalipse 1:17-18). John MacArthur disse:

Ouça isso, por favor: Se você se concentrar no que há de errado com a igreja agora, você pode ficar deprimido. Mas se você se concentrar no que a igreja vai se tornar, você pode ficar entusiasmado. Deus começou uma obra, Ele vai terminar essa obra cabalmente sobre Seu verdadeiro povo. Nenhum daqueles a quem o Pai chamou se perderá.

Prossigo plenamente confiante no Senhor da igreja. Ele é absolutamente soberano. Sua vontade prevalecerá contra todo o mal. Um dia Ele colocará um ponto final na história. Todos os que Ele chamou estarão com Ele eternamente. Nenhum se perderá. Satanás, com seus enganos miseráveis não conseguirá tirar uma ovelha sequer das mãos do Salvador. Essa é a minha esperança. Essa é a única esperança que temos.

As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que me deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai. (João 10:27-29).

Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus… Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste… Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu… E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; (João 17:9,11-12,20)

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2 Responses

  1. Agrimar disse:

    Um texto excelente para a glória de Deus!!!

  2. Um servo do Altíssimo disse:

    Glória a Deus!!!

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